terça-feira, 7 de agosto de 2012


Cidade me deu saudade

 Minh`alma no peito reclama,
 me castiga de chatices.
 Pra saber por que me chamas
 lhe indaguei o que insistes.

 A resposta foi um pranto
 que calou minha altivez
 e lançou-me o seu manto
 da saudade que me fez.

 Cidade me deu saudade,
 saudosa tornou-se então.
 Neste pranto de verdade,
 me acabei nesta aflição.

 Indo em busca do remédio
 pra saudade ter seu fim,
 vou partir desse meu tédio,
 rumo às terras de Bonfim.

   
    Gabriel Júnior Chan - 03/05/2008


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Tem gente que é tão diferente
que só a melancia não basta.


Tem gente que é tão indiferente
que vê a melancia e passa.



sábado, 30 de junho de 2012

Movimento e carnaval não precisam de alvará

Das notas toadas, sonatas
Na noite de Momo
Foram ouvidos os sonoros
Estrondos de Ares.
E na noite de alegria de Baco
Entoaram acordes de Algoz.

O jovem soprofano, herói de Urano,
persiste em um grito de luz.
Mas a modernidadade insólita
Bélica de alvarás
Responde em forma de gás.

Og Campos

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Movimento Cultural não precisa de alvará



       Como força de sede e saudade na última marcha de carnaval, o folião não arredava pé da praça. Protagonizavam entre a porta da igreja-santuário e as costas do palanque, que minutos atrás suportava as reboladas dançarinas. Nominados Bloco do Boi Bravo cantarolavam as marchas que já não muito agradavam ao povo, por não serem novatas nem batidas.
         Comandados por um sujeito coxo, tocador de soprofone de poucas notas, os festeiros, entre crianças e avós, alguns bêbados, outros tontos, melodiavam contratempos quase involuntários. Os de mais  vontade martelavam bizarras percussões, algumas improvisadas, outras, mesmo perfeitas, distintas de época de carnaval.
         Apesar de não serem de passados atrás, quando, de primeiro, carnaval ainda era festa do povo, pareciam gostar das enferrujadas músicas, com poucas variações e letras triviais. O senso do som parecia não ser o mais sedutor, mas a liberdade de melodiar. Tocavam ricos, dançavam pobres, comandavam sujos, curtiam limpos.
            - “As águas vão rolar...”
            Mas o que sobrou de rompante silencioso foi a marcha inesperada da garbosa milícia! Eram quatro, três de outras bandas, reforço de evento, apenas um da terra. Também este alguma diferença fazia? Pois como se de fora fosse, nada sabia de festejo popular regional. O que falou foi só:
            - Alvará só até três horas. Já não pode tocar! Cantar também não pode!
            Falado o dito, ainda ameaçaram algemas e a apreensão dos instrumentos.
            Os festeiros tentaram diplomacia, falaram de tradição, de cultura, de alegria, de bom fim de festa. Mas a lei era clara:
            - Alvará só até três horas! Barulho não pode! Música não pode! Marcha não pode!
            Justamente era três horas o fim do show da BandaBahia, moderna, de som e de visual. Depois dela mais ninguém. Podia ter por encerrado o carnaval, com hora marcada. O que não fazia senso entre boa parte do folião, principalmente os que escutavam dos antigos os causos de folia.
Já de cima da cacunda de um do bloco, o soprador de soprofone manco entoou verso maior:
            - Movimento Cultural não precisa de alvará!
            Fez ordem para os em redor, virou grito – de guerra:
       - Movimento Cultural não precisa de alvará! Movimento Cultural não precisa de alvará! Movimento Cultural não precisa de alvará!
           Uma minoria mirrada foi embora, não por desejo, mas por medo. Uma outra assistia sentada calada, não por desejo, por cantar em silêncio. Mas eram os poucos que figuravam o movimento, sem alvará, com poder de tradição deficiente.
           No entanto, para os milica, a tradiçao não tinha senso, nem assinatura de autoridade. O poder é que pode. Papel assinado, ordem acatada.
       - O que é marchinha de tradição perto de força de gás, rapaz? Resmungou o chefe-tenente marchando na direção dos menores.
          Ordem mandada pros mandados. Só gássssss!
         A multidão, grande sem quantidade, não pôde outro meio: foi calada e dispersada. Ardeu nos olhos. Tampou a güela. Manchou a cara: vergonha e alergia. Nublou a praça. Mancou a marcha. Xispou quem assistia.
         Estava desarmada a algazarra do Bloco do Boi Bravo e armada a da garbosa milícia, que representou honrada o papel mandado. Na verdade, não fingiram. Era o corriqueiro de festa de milica. Impuseram cassete. Por fazer questão, deixaram o uso dele a um mais aprazerado na dor. Houvesse grito e gemido: houvesse satisfação.
          Esvaziados os espaços, saíram lotadas as viaturas. Dois milicas, quatro meninos, em cada. As sirenes ligadas: í ô í ô í ô, num timbre e num compasso deslocados de outras marchas.
           Cada qual com seu cada qual carnaval.
         Pra trás, na escada da praça, restou indizível o soprofone sem notas, nem desafinadas como as de antes, e o cassete, maciço e firme. Além de confete, sangue e serpentina – e um senhor, que, do canto do coreto, espiava as inesperadas cenas. Antes de sair, escapou do limite do seu silêncio:
            - Nem não mataram os menino, nem não morreram memória. No muito, no momento.



terça-feira, 26 de junho de 2012


POEMA TIRADO DA MESMA NOTÍCIA NUM OUTRO JORNAL

João Valentão,
morador do Milionários,
saiu de casa sem destino.
Foi parar no Funcionários.

Bebeu,
dançou.
Comeu, pagou.

Entrou no carro,
não tinha caminho.
Faltava coragem pra declarar:
mas amava Tereza, que não amava ninguém.

Acordou afogado, numa piscina alheia.
Foi tudo por água abaixo,
os sonhos e o carro.


sexta-feira, 22 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012


A literatura não tem mais utilidade
Sílvio Ramiro

Ser professor de literatura (ou de qualquer outra arte) em tempos em que o imediatismo, o utilitarismo e o consumo ditam as relações humanas não é tarefa fácil (muitas vezes, nem prazerosa é – e aí, perde-se o sentido, porque a relação com a arte, antes de tudo, precisa ser mediada pelo prazer). No mundo atual, parece que tudo precisa ter uma utilidade imediata, por isso perguntas como “professor, isso vai servir pra que na minha vida?” são tão comuns no ambiente escolar.
Muitas vezes, concordo com os alunos. Por exemplo: saber que uma oração é subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo não muda nada na vida de ninguém. Saber que a figura de linguagem utilizada pelo poeta é um oxímoro não faz sentido nenhum. Oxímoro é apenas um nome, e poderia ser outro qualquer.
Entretanto, um bom professor de literatura (e, talvez, esse tipo de profissional esteja silenciado) é capaz de fazer com que o aluno (ou leitor) entre no texto por outros vieses. Lembro-me exatamente do dia em que tive uma iluminação em uma aula de literatura, quando fazia cursinho pré-vestibular e ainda achava que faria Engenharia Mecânica.
O professor Adriano Bitarães dava aula sobre “Grande sertão: veredas”, obra do maior escritor brasileiro, Guimarães Rosa. Não sei se por minha sorte ou azar, esse livro fazia parte dos indicados pela UFMG para o seu processo seletivo. Adriano não fazia uma leitura linear da obra, falando de estilos de época, dando nomes a figuras de linguagem, enchendo o quadro de chatices estilísticas, ele analisava o romance dando a ele o valor que à arte merece ser dado. E todo mundo, numa sala de 120 alunos, ficava impressionado com a análise feita por ele (não por acaso, fui fazer Letras).
O professor falava das (supostas) contradições presentes no discurso de Riobaldo, o personagem central da obra, que a constrói por meio de um monólogo, como forma de encontrar conforto para questões existenciais de extrema complexidade. Riobaldo vive num eterno dilema, que lhe retorna sempre, querendo saber se o diabo existe ou não existe, por causa de um pacto que teria feito com esse tal coisa-ruim. Se o diabo existir, o pacto também há de existir. Mas se o diabo não existe, não haveria pacto e o protagonista estaria, então, livre de um dos seus dramas metafísicos.
Entretanto, para essa pergunta de Riobaldo, não há resposta. Em momento nenhum da obra chega-se a uma conclusão, tanto que ao final é dito: “O diabo não há! É o que digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.” Mesmo nesse final, que, a um olhar ingênuo, parece definitivo, Riobaldo tenta afirmar que o demo não existe, mas logo depois diz “se for”, evidenciando o eterno retorno da dúvida, da angústia. O medo é o que permeia toda a obra e, por isso mesmo, é o que impulsiona a travessia da vida de Riobaldo. A contradição Deus-diabo, existir-não existir, pacto-não pacto não se resolve no romance de Rosa, nem na mente de Riobaldo e (acredito eu) nem na mente de qualquer ser humano. A dúvida é o que move nossa existência. Viver é muito perigoso.
Numa análise chinfrim da obra, um professor de literatura poderia colocar o aluno diante de questões (do tipo “faça o que se pede”) que o levassem a encontrar antíteses, oxímoros, paradoxos na obra de Rosa, e, sem dúvida, ela estaria cheia de termos que se contrapõem e que constroem esse tipo de figura de linguagem. Por sorte, tive um professor que não queria isso de mim e me fez perceber que, para além do oxímoro (que é tratado, geralmente, em apêndices gramaticais), há contradições humanas que acompanham nossa existência e para as quais nós nunca teremos respostas definitivas.
É uma pena ter de dar sentido utilitário para a literatura. É uma pena perder o prazer do texto, perder toda a organização que a arte pode promover para nossos dilemas, sem nos dar lições de moral ou respostas prontas. É uma pena ter de ler literatura procurando dar nome aos bois.
O papel da arte e da literatura talvez seja este: encher nossa mente de perguntas, sem nos levar a respostas. No entanto, em nossa realidade, consumir tornou-se a forma mais imediata de preencher esses vazios existenciais. Não há mais espaço para perguntas sem resposta. Não há mais tempo para reflexão. E a literatura, nesse contexto, não tem mais utilidade.